(*) Mauro Serra
“Deus é a natural exclamação diante de um grande perigo. Um abismo que se abre aos pés do homem, um terremoto, um flagelo, um ciclone, qualquer efeito terrível de forças naturais ou humanas, arranca do imo do peito este grito de pavor e de desespero: – Santo Deus!”
Machado de Assis
As eleições…as urnas em apuração. Os votos, cédula por cédula. Embate feio. Eleitores bravos. Gente de opinião de um lado e de outro. O povo em torno das mesas, olhos atentos. Pessoal da posição e da oposição fiscalizando a contagem dos votos. Ainda de madrugada e a contagem seguindo. Um bate-boca aqui, outro ali e as escaramuças da polícia. Os brigões. E a contagem dos votos em dias, semanas, até sair o último voto, o vencedor.
Dona Zezé sempre fora escolhida pelo Eleitoral para compor as mesas, escrutínio em razão de sua respeitabilidade, boa formação escolar, além de ser doce, baixinha de olhos verdes, cabelos loiros, corpo escultural – características de idoneidade ao ver dos partidos. Ademais, não usava calças compridas, sempre de saia, saia rodada que a belezura estava no decoro e no colorido da chita combinando maravilhosamente com os seus lindos verdes olhos. Empinada, não arredava o pé das mesas coletoras e contadora de votos. Cumpria o seu mister com denodo, atenção. Conduta ilibada.
Dona Zezé passou a vida na política partidária, profunda ativista conhecedora sobre votos impressos, eletrônicos, eleições. Disse-me ela que depois da urna eletrônica a hegemonia de certos candidatos foi por água abaixo, principalmente daqueles tidos como “imbatíveis”. Daí os partidos exigirem cada vez mais dinheiro para enfrentar a “vontade” do povo, satisfazer empresários, milicianos, presidentes de associações, os donos de igrejas nos rincões mais distantes do país. As Donas Zezés da vida perderam muito da sua importância depois da urna eletrônica, disse ela.
Contou que dentro da sua “autoridade”, mesmo sofrendo de incontinência urinária, nunca se deu ao direito de indelicada, de ser negligente ao trabalho de apuradora de votos, desde que a permitissem usar do sanitário diante das naturais complicações que a doença, a incontinência urinária exige também das mulheres. A obrigatoriedade do uso do sanitário é imperiosa em qualquer situação a qualquer pessoa. Entretanto, quando da apuração dos votos, ir ao banheiro levando a bolsa nem pensar. Mulher com o mister de apurar votos ia ao banheiro de mãos livres, só por um lencinho diminuto abanando, modo de se secar se preciso fosse ou disfarce de só por charme. Para que levar a bolsa, para pensarem que a bolsa tivesse cédulas, votos de eleitores que pudessem ser “usados”? Não! Dona Zezé confidenciou-me que nunca um candidato seu perdeu uma eleição, não enquanto os votos foram de papel.
“O contrário da brincadeira não é o que é sério, mas antes o que é real”, segundo Freud. Aquela saia rodada cheia de bolsos iam-se com votos brancos, nulos e tudo o mais que pudesse ser preenchido ou corrigido em favor do “seu” candidato. Era o que fazia entre uma ida e outro ao sanitário para dar conta de sua “incontinência urinária”. E mais disse: -Que naqueles tempos as Zezés da vida existiam Brasil inteiro. Dona Zezé perdeu a serventia? Ou terá um retorno glorioso? E a urna jogada ao rio? Que vontade de dizer mais coisas, mas o minifúndio de papel não permite, né!
(*) Mauro Serra é advogado e contador. Escreve sempre na 1ª semana de cada mês. Na página 10.