A discussão em torno da saúde mental vem ganhando destaque nos últimos anos. Com a chegada da pandemia da COVID-19, a pauta ficou ainda mais evidente. Isso porque se esperava que houvesse uma explosão de novos casos de transtornos mentais, relacionados ao medo de se infectar, às dificuldades econômicas, ao luto e ao distanciamento social necessário para o controle da pandemia.
Do ponto de vista clínico, é possível observar que muitas pessoas passaram a buscar ajuda profissional para lidar com os primeiros sintomas de ansiedade, depressão, entre outros transtornos. Mas isso não quer dizer que houve piora na saúde mental dos brasileiros. Uma feita pesquisa Universidade de São Paulo (USP) mostrou que a pandemia pode aumentar os riscos de desenvolver transtornos mentais, mas não houve impacto significativo na saúde mental da população. Esse trabalho acompanhou 2.117 pessoas que fazem parte do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA) e analisou sintomas e diagnósticos apresentados, comparando os resultados com as pesquisas anteriores (2008-2010, 2012-2014 e 2016-2018). “Comparando aos dados anteriores à pandemia, a saúde mental desse grupo não piorou. Agora a gente busca entender o porquê”, afirma o dr. José Gallucci-Neto, diretor médico do Serviço de ECT e VídeoEEG do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo e um dos pesquisadores.
Falta de informação ajuda a estigmatizar transtornos mentais
Apesar dessa estabilidade, a pesquisa observa que mulheres, jovens, pessoas não brancas, com baixa escolaridade ou com transtorno prévio possuem risco maior de desenvolver transtornos psiquiátricos ao longo da pandemia. “A gente analisou o primeiro ano da pandemia, é preciso ficar atento para entender como isso se encaminha em 2021”, alerta Gallucci-Neto.
Nas redes sociais, é possível observar amigos e familiares que, ao falarem sobre saúde mental, demonstram estar se sentindo pior atualmente do que antes da pandemia, mas isso pode ter uma explicação. “Existe um conceito chamado ‘recall bias’ (viés de recordação). Como nossas lembranças não são claras, temos a impressão que estamos sempre pior que o passado. Essa percepção nem sempre está correta”, ressalta o médico.
Por isso, um estudo longitudinal, que analisa as variações nas características de um mesmo grupo por um longo tempo, como esse é tão importante na avaliação da saúde mental coletiva. É importante ressaltar que os participantes são funcionários ou aposentados da USP, com idade média de 62,3 anos e que podem estar em situações mais estáveis socialmente na pandemia. Mas os dados de outros países mostram que esse é um fenômeno observado em todo o mundo. Um estudo longitudinal publicado no Reino Unido acompanhou 1,106 pessoas durante três fases da pandemia (março, abril e julho de 2020), e observou que casos de ansiedade e depressão permaneceram estáveis, enquanto transtornos pós-traumáticos caíram com o decorrer dos meses.