(*) Mauro Serra
Vou contar a história pelo fim. Caso acontecido e testemunhado.
Contenda de sair faísca. Honorato? Coitado!
Não teve jeito, foi direitinho pro cemitério. Bater boca de madrugada depois de cachaçada é barril.
No barzinho do Gilmar o furdunço com Lalinho, o maior e melhor tecladista da região. O pessoal pé de cana mais mal afamado do lugar.
Gerson escornado à porta do boteco, tanto vinho ingerido.
A cidade inteira comentou por semanas a treta entre Romero e Honorato. Foi até pro jornal.
Romero não era violento, era opiniudo. E soltou a rebordosa: “…macumba é coisa do diabo. E se o diabo rege a macumba não tem macumbeiro que preste, por isso sentencio a qualquer macumbeiro reconhecido macumbeiro a mesma morte de um Judas Iscariotes: por enforcamento”.
Cachaça? Pode ser. A garrafa lambida. E ainda tem gente dizendo que a cachaça do bar do Gilmar é coisa de péssima qualidade. Não é o que a freguesia vê.
Romero, já disse, é um sujeito inteligente, valente, corpo esguio, braços fortes.
Fora jogador de futebol profissional.
Cracasso! Jogador de seleção brasileira! Debaixo daquele bigode, sem papas na língua fala o que pensa sem fazer curvas. Não se sabe tenha sido enfrentado, assim de frente mesmo, não. Falase mal dele, Claro!…alhos e bugalhos, só por de trás. Pela frente ninguém se arrisca.
Honorato é o baterista da banda. Moço bom, simplório, miudinho de fala mansa.
Dizem-no catimbozeiro de quatro costados. Da Umbanda.
Por coincidência ou não, a batucada em intervalo, tempo para sorver a branquinha e, Honorato que ouvira tudo tomou do microfone e do alto do palco apontou o dedo pra mesa do Romero e disse: – “Umbanda e Macumba são duas coisas super diferentes.
Uma coisa é uma coisa e uma coisa nunca é a outra coisa”.
Romero cá da mesa se levantou abespinhado e Gilmar pressentiu que o pior aconteceria naquela madrugada. Os revólveres nas cinturas. Tanto Honorato quanto o Romero não eram homens de levar desaforo pra casa. O dono do bar temia pelo pior.
Honorato ligeiro puxou um livro do bolso, estufou o peito, suspirou, encheu o pulmão e advertiu a Romero para que tivesse paciência e o escutasse fosse pela última vez que fosse. Ninguém sabe a razão, a verdade é que Romero deu uma parada sem disfarçar o incômodo de muita raiva. Ouvira um verdadeiro “Cala a boca!” O relógio da Matriz badalava seis horas da manhã.
E Honorato diante de só ouvidos prosseguiu.
Livro aberto leu o título da obra “Umbanda não é Macumba.
Umbanda é Religião.
E Tem Fundamento”. Mencionou o autor Alexandre Cumino “um cientista da religião, bacharelado pela UNICLAR, médium de Umbanda atuante, sacerdote de Umbanda Sagrada, responsável pelo Colégio de Umbanda Sagrada Pena Branca”. Em tom professoral continuou:
“Umbanda é uma religião brasileira que pratica única e exclusivamente o bem, tendo como fundamento a manifestação do espírito para a prática de caridade”. Arrematando:
“Qualquer coisa diferente disso não é Umbanda”.
– E agora fala da Macumba, ô seu Zé Sabichão!, desdenhou Romero.
E Honorato calmo, um monge franciscano: Honorato – “Macumba é o nome de um instrumento de percussão que era muito utilizado em alguns dos cultos afro-brasileiros no passado. Hoje esse termo tem uma conotação pejorativa utilizada como forma de discriminação e preconceito”.Fez-se silêncio sepulcral. Lalinho não perdeu tempo, dedilhou o teclado “O Sino da Igrejinha faz belém, blém-blom…”.
Não vou contar o que se passou depois, enquanto Theotônio bebia com o chefe da auditoria. A verdade é que Honorato subiu o morro direto ao cemitério. Atrasado ao ofício, Honorato é o coveiro da cidade.
Nestes tempos de desgoverno certos serviços andam muito requisitados.
(*) Mauro Serra é advogado e contador e escreve na 1ª semana de cada mês na página 10