Ele é calado, suas palavras são os barulhos provocados pelo choque entre as pedras, que ao contrário do ataque voraz do esgoto sanitário, não maltrata. As pedras apenas desviam seu caminho, mas sem impedir que caminhe célere em busca do seu sonho maior, que é o mar. Assim é Rio Piranga que nasce na Serra da Trapizonga, em Ressaquinha, pequena cidade que fica a 188 quilômetros de Ponte Nova.
Tomado pela tristeza e insatisfação, o Rio Piranga sobrevive graças à energia própria, sofre com a falta de matas ciliares, derrubadas das florestas em seu entorno, fato que prejudica os mananciais de água que o sustentam: as nascentes. Sombriamente, o homem desacata o poder da natureza e em busca do vil metal provoca incêndios, desmata para fazer pastagens e fere de morte o âmago do bendito rio.
“Mas, o rio corre sozinho, vai seguindo seu caminho, não necessita ser empurrado. Para um pouquinho no remanso. Apressa-se nas cachoeiras, desliza de mansinho nas baixadas. Mas no meio de tudo, vai seguindo seu caminho. Sabe que há um ponto de chegada. Sabe que o seu destino é para frente. E vitorioso, abraçando-se a outros rios, vai chegando ao mar. O mar é a sua realização e, chegar ao ponto final, é ter feito a grande caminhada”.
Até chegar ao seu primeiro destino, ao abraçar o Rio do Carmo, o herói das águas vermelhas inunda plantações, mata a sede de milhares pessoas, pássaros, animais domésticos e silvestres e enche, com prazer, as bocas e os estômagos com sua rica ictiofauna, composta de piau-vermelho (o símbolo do rio), dourado, corvina, bagre e lambaris. Ali na Barra do Piranga (de um lado Santa Cruz do Escalvado e do outro a cidade Rio Doce) nasce o Rio Doce. As águas se juntam e caminharão como uma única vida em direção ao mar.
Ledo engano, ali não morre o Rio Piranga nem o Rio do Carmo: naquele local, a 23 quilômetros do Bairro da Rasa (Ponte Nova), as águas se fundem e se fortalecem, enquanto suspiram na agonia provocada pela lama devastadora e criminosa da Samarco. Os rios Piranga, Carmo e Doce corriam no leito das suas vidas, sabendo que há um ponto de chagada. Mas, constantemente afetado pela natureza bruta do homem sem escrúpulos.
A natureza não tem pressa. Vai seguindo o seu caminho. Assim é a árvore, assim são os animais. A fruta forçada a amadurecer antes do tempo perde o gosto. O Rio Piranga segue seu destino que é fazer o bem. Era limpo e livre. Escolheu seu próprio caminho, mas resolveram que ele teria que ser barrado lá no Brito, com a Pequena Central Hidrelétrica (PCH Brito).
O homem, com sua ganância, queria muito mais. Com seus técnicos e burocratas, o homem propunha construir um monte de barragens no Rio Piranga. Mas, pela primeira vez o Rio Piranga conseguiu unir gregos e troianos, direita e esquerda, poder público e ONGs e a ideia foi abortada em 2008. Estes heróis, muitos deles anônimos, estão por aí. Eles fizeram história e livraram o Rio Piranga da sua morte lenta. Ele, o “herói taciturno” ainda vive, mas precisa muito mais: tratamento de esgoto!
Observação: parte do título eu “roubei” da jornalista Mônica Veiga que prepara um documentário sobre o rio com o título “Piranga, o Herói Taciturno”. Espero que ele não me denuncie (rsrsrsrsrs).